sábado, 4 de abril de 2009

Crise energética e energia solar

A crise energética mundial é um dos motivos do interesse pelas hidrelétricas na Amazônia. Aqui temos as do Rio Madeira, e as pequenas centrais no Rio Branco. Quarenta quilômetros abaixo moram os tupari, macurap, aruá e outrso indígenas. Para eles faz tempo que da energia elétrica somente chegam os prejuizos de ter as centrais nas cabeceiras dos rios. A CPT nacional fez a proposta no ano passado de realizar em todos os regionais algum projeto alternativo de energia elétrica descentralizada. Apenas agora, terminando o mes de março, nós instalamos os últimos 34 paineis solares de nosso projeto de energia solar. Em total beneficiou 200 famílias. Mais os projetos anteriores, 400 famílias foram beneficiadas.
Daqui agradecemosa todos os que fizeram isso possível. Em especial a Manos Unidas, entidade da Igreja Católica na Espanha. Desta vez o mais difícil foi chegar onde as famílias beneficiadas moravam.


Eu saí de São Francisco num carro baixo, e a estrada sem asfaltar estava na pior situação. Na metade do trajeto até Costa Marques fiquei atolado num buraco cheio de água. Conseguí sair para trás, porém o carro quebrou. Fiquei no prego. Depois de algumas horas de espera, uma das pocas camionetes que passava me rebocou até São Domingos do Guaporé. Lá não tinham a peça de reposto. Somente no outro dia foi possível chegar até Costa Marques.
Depóis de arrumar e carregar o barco, ao meiodia estávamos navegando. A mais do Víctor vinha o seu genro, Marinaldo, e o instalador dos paineis, José Aniceto. Depois de navegar toda a noite, no outro dia, domingo, paramos para rezar missa em Versalles. Pela noite chegávamos a Pau d'Olho.
Lá deixamos o barco guardado e carregamos todo no bote de alumínio: placas solares, fiação eléctrica, tábos de madeira, lâmpades, interruptores, controladores, etc. . Também nossas bolsas de roupa, redes, comida, panelas, pratos, uma pequena cozinha, bojão de gaz, ... e alredor de 140 litros de gasolina para um motor de popa de 15 HP. Mais nós, no bote de oito metros e meio.
A previsão de viagem até a boca do Branco e subindo até o Palhal, a primeira aldéia, era de 12 horas. "O rio está limpo" tinham falado para nós. "Somente tem uma cocha de capim". Em novembro, com pouca água, não tinhamos podido passar. Porém, depois de três horas de navegação, chegando no Rio Preto, o motor falhou. Apesar do José, Xinita, ser mecânico experiente, tivemos que voltar remando. Cinco horas a remo, de volta a Pau d'Olho.

Lá conseguimos por sorte um motor emprestado: Uma rabeta de 5 HP. Mais devagar, no outro dia voltamos a tentar. Ao meio dia tinhamos passado do Rio Preto. Começamos a passar alguns paus atravessados e cochas de capim, empurrando com nossas varas. Passamos sem dificuldade o ponto onde ficamos em novembro: O "Furo da Cachaça". Não tinha rastro das abelhas que nos tinham atacado, tal vez porque a casa delas tinha ficado coberta pelas águas, que tinham subido cinco o seis metros.
Porém logo achamos a "cocha" de capim. Tão densa e cumprida que a gente não via o final dela. Com muita dificuldade fomos empurrando o bote com as varas, abrindo caminho de forma lenta e penosa. Porém chegou um ponto que não deu para avançar mais. Encalhados no meio da cocha. O tempo ameaçava chuva e começõu a chover. Tentamos cortar uma galhadas e desta vez algumas avispas nos atacaram. O único jeito foi descarregar toda a carga, e arrastrar o bote por cima do capim. Tão compacto que dava para andar nele quase como em terra firme. E carregar tudo de novo mais adiante.
Completamente molhados finalmente fomos seguindo adiante. O Palhal ainda estava bem longe. Somente ao anoitecer chegamos lá.
O resto foi mais fácil, porém também cansativo. De aldéia em aldéia, em tres dias subimos quase até o início da área indígena, no Barranco Alto. Subindo, parávamos e íamos entregando placas solares para as famílias que não tinham. Sofrendo do sol escaldante e das chuvas torrenciais na viagem pelo rio.

Depois começamos as instalações e a descida. Cada família tinha arrumado um esteio para segurar o painel solar no exterior da casa. Na maioria de lugares nos preparavam a comida: arroz, farinha de água, carne de caça, e peixe pescados de arco e flecha nos igapós e campos inundados da beira do rio.
O grupo nos instalávamos nas escolinhas ou nas casas de apóio de cada aldéia. Meus companheiros dormiam na rede e eu numa bararquinha que também serve de mosquiteiro. Em algumas das aldeias achámos auxiliares de enfermagem atendendo no posto, e em outro lugar, até dentista. Também encontramos com a Virgínia e o Mas, a equipe do CIMI de Ji Paraná, que estávam visitando a área indígena.
Nós não podemos atender todas as famílias com placas solares. Ficaram para trás umas quarenta e poucas, as que estávam mais acima, mais perto da estrada que vai até Alta Floresta. Existe o plano de construção duma linha elétrica convencional. Porém quando chegará lá? Estes dias, depois da volta, esteve falando sobre isso com várias autoridades.
Na volta tivemos que arrastrar de novo o bote na cocha de capim. Porém a carga já era mais leve. Chegamos de noite ao barco. Lá o colchão estava mais acolhedor que na barraquinha. E eu tinha deixado guardada um pouco de roupa limpa e seca. Chegando a Costa Marques, a viagem de retorno de carro até São Francisco também não foi fácil, porém isso já é outra história.

Foto: Preparando chicha na comunidade de Trindade.

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