Três igrejas pentecostais estão brigando por conseguir adeptos entre os indígenas da Área Indígena Rio Branco, de Rondônia. Além dum pastor indígena do povo terena, que alguns anos atrás construiu sua primeira igreja na aldéia de São Luiz do Rio Branco, agora um indígena tupari deixou o seu emprego como piloto de voadeira da Funasa para se formar como pastor fora de sua região de origem.
Enquanto outros resistem a demonização de seus costumes, como a bebida da chicha e a celebração de festas tradicionais, com danças e cantos. E se declarando católicos: "Eu sou católico desde criança e não largo a minha religião" alguns fazem qüestão de declarar.
A Virgínia e alguns companheiros do CIMI e da Pastoral Indigenista de Ji Paraná, faz muito anos que visitam a área indígena e acompanham a vida deste povo. Eles fazem um bom trabalho animando a organização dos indígenas e lhes ajudando a cobrar políticas públicas das autoridades. Porém agora eles nem querem saber de religião em meio desta briga. "Só falta nós os católicos também contruir capela e fazer batizos", falam para mim.
Pois por minha parte faz anos que me pedem para ir lá no dia 04 de outubro. No meio da assembléia do CIMI em Porto Velho os indígenas do Rio Branco me ligavam perguntando se já estava indo lá para fazer batizados.
Esta é a primeira vez que consigo no dia que els tem constume festejar. Vamos por terra, emprestando o Toyota dos cooperadores de São Miguel e carregando barraquinha, fogão e o motor de rabeta de Costa Marques. Me acompanha o Murilo, da CPT de Uberlândia, e o Víctor Cojubim para pilotar o bote no rio, que o pessoal do Rio Branco vai emprestar para nós.
Seu Anderé e Dona Juracy Macurap tem costume de matar um boi e celebrar todo ano a Festa de São Francisco na sua casa de Barranco Alto, convidando o seu compadre, Seu Tonico e outros amigos brancos, da Comunidade de Nossa Senhora Aparecida e de Santana do Guaporé, do município de São Miguel do Guaporé. Eles moram vizinhos a área indígena e andam três horas pela mata para chegar até a aldéia, ou dão um grande rodéio por Nova Brasilândia atravessando sua moto pelo Rio Branco num bote de remos. O ano passado veio algumas irmâs de São Miguel. Depois da festa algumas famílias indígenas retornam o convite participando o dia 12 de Outubre da Festa da Padroeira da comunidade católica na Linha 109 de São Miguel do Guaporé. Outros como o Rui e o Fernando Canoé fazem qüestão de mantér em pé o cruzeiro que Dom Rey, primeiro prelado da Diocese de Guajará Mirim, ergueu a beira do Rio Branco, lá pelo ano 1936. Foi o Rui Canoé quem me pediu de visitar a Àrea Indígena do Rio Branco. Ele estava visitando sua mãe na aldéia de Ricardo Franco, na AI do Guaporé, quando passei visitando a comunidade. "Lá no Rio Branco não vem nenhum padre, depois que o Pe. Paulo Verdier foi embora". Sempre com muita dificuldade de subir de barco pela boca do Branco, consegui chegar ao Palhal e até a aldéia do Colorado. Em todos os lugares fui muito bem recebido por todo o mundo pedindo de voltar outras vezes para batizar as crianças e celebrar missa. Tinham sobrado umas placas solares de Ricardo Franco, e eles aceitaram alegres de recebe-las.
Quando consegui a primeira vez chegar até São Luiz o Rui Canoé me contou que ele era devoto do Divino, a grande devoção do Rio Guaporé. "Aqui todo ano matamos um boi o dia da Festa do Divino". Diz que quando veio o pastor crente ele ajudou a construir a igreja e que um dia contou para o pastor: "Minha mãe estava doente de uma perna e não conseguia sarar. Fizemos uma promesa ao Divino e ela curou. Depois quando viemos morar aqui em São Luiz, o nosso gado não parava de morrer ervado ou por outros motivos. Fizemosa promesa de oferecer todo ano um boi para a Festa do Divino e o problema como o gado acabou." O pastor lhe respondeu: "O demônio as vezes faz coisas erradas para confundir a gente". O Rui diz para mim: "Eu sou católico. Eu não fui mais na igreja crente. Quero que o senhor me arrume uma Bandeira do Divino para continuar festejando o seu dia". O ano passado levei a Bandeira que a Irmandade cedeu para eles do cofre do Divino.
Quando comecei a fazer rezas na Área Indígena, eu dizia para eles que católico não quer tirar nenhuma cultura indígena, que quando o povo morava nas malocas, antes de conhecer a Bílblia e qualquer tipo de escrita, o Espíritu Santo de Deus já tinha espalhado sua luz e sabedoria nos seus antecessores para que vivessem e vivessem muito bem. Por isso eles tinham que ter muito respeito pelas histórias que contam os mais velhos, pois elas foram inspiradas também por Deus pra aseu pais e avôs. Para eles são verdadeira Palavra de Deus.
Uma vez contei para o professor de Colorado, um dos poucos que já começou a escrever na língua tupari, que a Bíblia, antes de ser escrita, também era somente contada nas histórias que os mais velhos aprendiam e contavam para os seus netos. Somente depois começou a ser escrita. "Então, as histórias que nós conhecemos são a nossa Bíblia", ele disse, brilhando os olhos. Isso mesmo, confirmei: "São a Bíblia de vocês". Depois eu tenho repetido isso muitas vezes.
Por isso nas celebrações, no começo, eu levava um livro da Betti Midlin com lendas recolhidas dos povos macurap, tupari e jabuti. Eu animava no começo da celebração a contar alguma história indígena, ou pedia para ler alguma das histórias. Eu tinha visto fazer isso aos meus companheiros claretianos do Panamá, que faz décadas trabalham com o Povo Puna, em ilhas do Oceano Atlântico. Aos poucos, alguém se animava a contar alguma história.
Desta vez o fizeram seu Anderé e dona Juracy Macurap, na celebração do dia 04 de Outubro. Eles nos contam a história duma personagem mítica, o criador da origem do povo macurap, que eles identificam com Jesus, e duma mulher, irmâ do primeiro, que identificam com a Virgem Maria. Seu Tonico e os amigos católicos jamais tinham ouvido contar histórias assim. Por nossa parte, nós puxamos parte do terço e lemos a oração de São Francisco que tinha trazido Seu Tonico e cantamos diversos cantos de igreja, antes do almoço festivo.
Já em Jatobá, nos espera o Luiz para batizar o seu filho caçula. O Luiz é piloto da voadeira da saúde e é filho de pai branco e mãe indígena. Como padrinhos tinha escolhido um jovem casal de Alta Floresta, que trabalha na Funasa. Eles queriam ser compadres. O batismno de crianças é uma clara ocasião de fazer aliança, de selar uma amizade. O compadrio é uma instituição que cria parentesco e compromisso de mútuo apóio. O Luiz conta: "Alguns crentes já me tem chamado de 'demôniozinho', brincando comigo, pois eu não abro mão de minha costume de preparar e beber chicha nas festas. Eu não aceito isso. Eu sou católico e exijo respeito para com nossas costumes". Celebramos o batismo na casa de chicha. Depois do batismo continua uma festa dançante animada pela música de som do carro dos padrinhos, com presença de muitos vizinhos.
Lá mesmo achamos o Dario. Sua sogra, Dona Entelvina, é uma das anciãs do povo tupari, que lembra dos cantos, danças e histórias tradicionais. "Dona Etelvina já está lhe esperando para contar algumas histórias", me diz o Dario. Ele se adianta na viagem. Nós somente conseguimos chegar no Palhal depois de dois dias de viagem de rabeta. Dona Etelvina já estava preparada para contar sua história: "As crianças já não querem me ouvir", reclama dos jovens i crianças do Palhal. Porém na celebração eles escutam a história do homem que anunciou para sua mulher e família que iria morrer, porém que cinco dias depois ele iria voltar vivo. Quando morre, os seus não acreditam no seu retorno, e sem atender seus desejos, choram e fazem luto por ele. Quando ele volta, cinco dias depois, ninguém está esperando por ele e não é bem recebido. Chateado, acaba indo embora para sempre. A história tem paralelismo claro com o anuncio da ressurreição de Cristo ao tercer dia, porém o resultado é bem diferente. Eu tinha arriscado rezar uma missa e explico com dificuldade o sentido do pão e do vinho da eucaristia, deixados por memorial do corpo e sangue de Jesus antes de sua morte. Lemos a leitura do evangelho dia da Aparecida: o milagre das bodas de Canáa. "O que acham, Jesus se morasse aqui iria gostar de chicha?" Todos acham que sim. Assim, o Misterio da Vida e da Morte se encontram para partilhar a nossa realidade humana e mortal a luz da fé e da revelação.
O Dario ja pediu em fevereiro ajuda para construir uma capela católica no Palhal, e me repassou uma lista do material que seria necessário para construir uma capela de madeira serrada e telhado de palha. Porém eu tinha perdido a lista. Ele faz outra nova que não esquece de me entregar.
Além disso, paro em outras comunidades, como em Encrenca, Serrinha, Cajuí, Colorado. Ninguém fala em reza e eu fico quieto. O pessoal da associação indígena agradece a ajuda que o barco da Pastoral Fluvial deu para traslhadar um gado, quando não tinham nenhuma chata para o serviço. Eles pedem para lhes ajudar a conseguir e instalar um motor de centro numa chata de 3x10 m. que tem construído em Versalhes e que na próxima semana querem subir para o Branco.
A guerra de religiões está virando uma guerra de favores. Quem batiza na igreja crente consegue carona do pastor para ir até Alta Floresta comprar rancho. Quem desvia da igreja não vai mais. Eu comecei instalando placas solares e para mim alguns pedem lâmpadas ou uma placa solar, pois as que instalamos não deram para todo o mundo. Eu liguei para os responsãveis do programa Luz para Todos e confirmaram para mim, antes da viagem, que a construão da linha de energia para São Luiz já está em "fase de excução". A linha chega até depois do distrito de Geaze, a uns trinta quilômetros de São Luiz. Em realidade não achamos no caminho ninguém trabalhando nela, nem vemos postes, nem material, nada. "Uma empresa começou a furar os buracos dos postes, porém desistiu". Contam os indígenas.
A metade de caminho de Alta Floresta uma represa do Grupo Cassol está acabando de ser construída, contra a vontade deles, inclusive destruindo um antigo cemitério do povo Jabuti. E eles continuam sem energia. Querem as placas solares, porque não confiam que a energia das PCH chegue para eles. "O pastor conseguiu para mim a bateria", confessa um morador de Encrenca.
Um numeroso grupo está subindo num bote para assistir a um congresso da igreja em Pimenta Bueno. Em Jatobá, onde começa a estrada de chão, nós deixamos o Toyota. Eles chegamn para pegar o caminhão que os levará. O pastor deixou para eles motor, gasolina e diesel para a viagem. Muitas mulheres esperam vender artesanato lá em Pimenta Bueno.
Fico me perguntando como nós temos que dançar nesta dança. Já em São Luiz outra liderança da aldéia Bom Jesus para o carro, para pedir também placas solares: "A bateria, a gente da um jeito". Com algum pastor, seguramente.
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Briga de igrejas na área Indígena Rio Branco
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Um comentário:
What light of day isn't today?
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